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Tal qual uma matrioshka (boneca russa), vamos desvendando nossas porções. A cada novo tempo, uma nova aprendizagem. Agora é o momento de nos vermos como seres holísticos que têm: corpo, organismo, cognição (intelecto), inconsciente (desejo) e mente (consciência, espírito).

ANGELINI, Rossana Maia (2011)

“A falsa ciência cria os ateus, a verdadeira, faz o homem prostrar-se diante da divindade.”

VOLTAIRE (1694 -1778)

domingo, 26 de dezembro de 2010

Artigo -A QUALIDADE DA EDUCAÇÃO NO BRASIL: UM PROBLEMA DE METODOLOGIA?

A QUALIDADE DA EDUCAÇÃO NO BRASIL: UM PROBLEMA DE METODOLOGIA?

Rossana Aparecida Vieira Maia Angelini

RESUMO

Esse artigo tem o intuito de colocar em discussão algumas questões sobre a Educação no atual contexto educacional, sócio-político, histórico e econômico, quando impera a globalização no cenário mundial. Como decorrência, observamos uma tendência internacional de mundialização do capital e da reestruturação da economia, o que vem impondo uma nova compreensão frente ao conceito de qualidade na educação. Nesse sentido, discutiremos, nesse artigo, a proposta que o Ministério da Educação encaminhou aos educadores sobre a revisão do processo de alfabetização e estabelecer uma relação quanto à qualidade da educação no Brasil, por meio de uma profunda reflexão.

UNITERMOS: Pedagogia; Políticas Educacionais; Psicopedagogia Institucional.

SUMMARY

This article has the intention of putting in discussion some subjects about the Education in the current educational context, social-political, historical and economical, when globalization governs the world scenery. As consequence, we observe a worldwide tendency of the capital and of the restructuring of the economy, the one that comes imposing a new understanding front to the quality concept in the education. In that sense we will discuss in this article the proposal that the Ministry of Education forwarded to the educators on the revision of the literacy process and to establish a relationship concerning the quality of the education in Brazil through a deep reflection.

UNITERMS: PEDAGOGY, EDUCATIONAL POLICIES, INSTITUTIONAL PSYCHOPEDAGOGY.


“Não junto a minha voz à dos que, falando em paz, pedem aos oprimidos, aos esfarrapados do mundo, a sua resignação. Minha voz tem outra semântica, tem outra música. Falo da resistência, da indignação, da ‘justa ira’ dos traídos e dos enganados. Do seu direito e do seu dever de rebelar-se contra as transgressões éticas de que são vítimas cada vez mais sofridas.”
                                                                                                    (Paulo Freire1 )

            Ao escrevermos esse artigo, o pensamento acendeu a palavra e a indignação frente às políticas educacionais que regem as crianças e os homens de nosso país. Assim sendo, vem, juntamente conosco nesse discurso sobre alfabetização, letramento, ou seja, sobre a educação enquanto processo de humanização e libertação dos homens, Paulo Freire2    em linguagem direta: os homens humanizam-se, trabalhando juntos para fazer do mundo, sempre mais, a mediação de consciências que se coexistenciam em liberdade. Aos que constroem junto o mundo humano, compete assumirem a responsabilidade de dar-lhe direção. Dizer a sua palavra equivale a assumir conscientemente, como trabalhador, a função de sujeito de sua história, em colaboração com os demais trabalhadores – o povo.”
         Enquanto professores e educadores nossa palavra se faz de fundamental importância perante os novos rumos que se pretende frente à Educação, especialmente, quanto ao Ensino Fundamental, no que se refere à Alfabetização. Esse pronunciamento se faz oportuno no atual momento, quando o Ministério da Educação pretende revisar o processo de alfabetização para as primeiras séries do Ensino Fundamental, em virtude do preparo das Novas Diretrizes Curriculares Nacionais para as séries iniciais do Ensino Fundamental, que passa a ser, a partir de então, de nove anos.
            Nesse sentido, o senhor Ministro da Educação solicita à Secretaria de Educação Básica a discussão com os educadores a respeito do método de alfabetização. Como podemos ver na reportagem da Folha de São Paulo3, “Na oportunidade em que estamos mudando a estrutura e o padrão de financiamento da educação [com a aprovação do Fundeb], entendemos que seria interessante iniciar um debate sobre alfabetização, tendo em vista os altos índices de repetência na primeira série do ensino fundamental. O ministério não está tomando partido de nenhuma corrente, mas, se o mundo inteiro fez esse debate, achamos que é preciso fazê-lo no Brasil.”                                     
            Temos hoje em vigor as Diretrizes Curriculares que são encaminhadas a todos os professores do país por meio dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, elaborados na gestão anterior. Os PCNs apresentam uma linha de ação para todas as disciplinas de estudo dentro de uma abordagem sócio- interacionista, construtivista. Os referenciais não sugerem método, mas, sim, uma concepção, um posicionamento da ação pedagógica frente aos alunos e aos conteúdos a serem desenvolvidos. O método, a estratégia, compete ao professor desenvolver para que a aprendizagem aconteça.
            Contudo, o que gera a discussão proposta pelo ministério, de acordo com a reportagem da folha de São Paulo3 são “os altos índices de repetência na primeira série do ensino Fundamental”. Essa afirmação nos leva a seguinte observação – perguntamos a que “repetência” o ministério se refere se o sistema é o da Progressão Continuada, onde não há séries nem reprovação e, sim, ciclos. Não será esse um dos dispositivos que colaborou para a falência de nossa Educação, fundamentalmente, a básica?
            Ainda, a reportagem da Folha de São Paulo3, aponta que “(...) o ministério não está tomando partido de nenhuma corrente”, provavelmente referindo-se à corrente sócio-construtivista, e sugerindo uma contraposição a ele, talvez, uma referência ao método fônico de alfabetização? Lembramos que a ênfase no ensino na codificação e na decodificação, a fim de que a criança aprenda associar letras e fonemas para desenvolver sua capacidade de ler e escrever tem sido usado em países desenvolvidos, como nos Estados Unidos. O método fônico, como o próprio nome aponta está voltado para o ensino dos fonemas, dos sons que as letras apresentam em relação à sua grafia. Alfabetizar, dentro dessa proposta, é ter a competência de identificar as letras do alfabeto e associá-las aos fonemas, às sílabas e às palavras. Lembramos, ainda, que Construtivismo não é método. A reportagem da Folha de São Paulo3 também faz referência à seguinte fala do ministro da educação, “o mundo inteiro fez esse debate, achamos que é preciso fazê-lo no Brasil também.” Outro aspecto importante que precisamos salientar é o de que precisamos discutir nossos problemas com a Educação, simplesmente porque outros países (desenvolvidos) estão discutindo o melhor método. Será que não estamos numa fase anterior a essa, quando são tantos nossos problemas com a Educação e que geram o alto índice de analfabetismo? Nesse contexto, discutir método, apenas, parece-nos superficial.
            Será que estamos sendo influenciados ao implante de métodos que outros países desenvolvidos, como França, Inglaterra, Estados Unidos da América desenvolveram em seu contexto sócio-político-econômico? Será que estamos submetidos a um jogo de poder das políticas educacionais internas (e externas)? Será que estamos nos deixando submeter às políticas educacionais dos países desenvolvidos que sempre implantaram seus costumes nas terras conquistadas? Por exemplo, os Estados Unidos da América que proibiram o uso do Método Global e que não financiam programas que descartem o Método Fônico.
            Genericamente, Banco Mundial é um conjunto de instituições lideradas pelo Banco Internacional de Reconstrução e de Desenvolvimento (AID); o Centro Internacional para Resoluções de Disputas sobre Investimentos (CIRDI); a Corporação Financeira Internacional (IFC) e a Agência de Garantia de Investimentos Multilaterais (MIGA). Conforme Souza4, “o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) nasceram de convênios firmados na Conferência de Bretton Woods, em 1944, e influenciaram, decisivamente, as mudanças ocorridas na economia internacional após a Segunda Guerra Mundial. Sem dúvida, deram visibilidade à hegemonia dos EUA no bloco dos países capitalistas centrais e, desde então, não têm modificado substantivamente suas orientações oficiais, respondendo sempre aos interesses do sistema financeiro e aos do governo dos Estados Unidos”
Assim, a atual política educacional do Banco Mundial traz em suas concepções políticas, segundo Souza4, três eixos articuladores: 1 - a educação como serviço; 2 - a educação portadora de uma racionalidade econômica e 3 – professor entendido na dimensão instrumental.
           No contexto das mudanças sociais e políticas, nas últimas décadas, a concepção de educação defendida pelo Banco Mundial, educação como produtividade, compreende a educação como instrução e desenvolvimento de habilidades e conhecimentos que permitam aos estudantes o ingresso ou sua permanência no mercado de trabalho.
            A ênfase, nessa concepção, é a de que o processo educacional é acumulação de capital humano. Cada estudante é compreendido com capacidade de produção potencial e o desenvolvimento desta potencialidade exige o esforço dos professores e das famílias. A educação, ao promover a produtividade dos indivíduos, seria um dos fatores mais importantes para elevar o produto social e, conseqüentemente, reduzir a pobreza, como aponta Souza4.
     Será que a solução de todo o sofrimento educacional a que o povo está submetido está no Método? Implantar um Método como o Método Fônico exclusivamente para sanar o problema do analfabetismo é o caminho mais viável?            
      A alfabetização não é mero jogo de palavras. Ela representa a consciência reflexiva de cultura, o que leva o homem à reconstrução crítica do mundo humano, para que se possa construir um projeto histórico de um mundo comum e a coragem de cada um poder dizer sua palavra e ter voz, para Freire2, “a alfabetização, portanto, é toda a pedagogia e ação: aprender a ler é aprender a dizer sua palavra. E a palavra humana imita a palavra divina: criadora. A palavra é entendida, aqui, como palavra e ação; não é o termo que assinala arbitrariamente um pensamento que, por sua vez, discorre separado da existência. É significação produzida pela práxis, palavra cuja discursividade flui da historicidade – palavra viva e dinâmica, não categoria inerte, ixânime. Palavra que diz e transforma o mundo. A palavra viva é diálogo existencial. Expressa e elabora o mundo, em comunicação e colaboração”.                                           
            Há um grande equívoco em todo o país sobre a questão do Método de Alfabetização. Equívoco criado pelos próprios representantes da educação em acordo com as diferentes políticas governamentais por que passamos. Referimo-nos à palavra equívoco no sentido de induzir alguém a um engano; a algo que dá lugar a várias interpretações; que dá margem à suspeita.
Todo esse processo teve seu início quando o Construtivismo “desabou na cabeça dos professores” (fazendo-os desmoronar, pôr abaixo sua prática, abater-se), por volta das décadas de 70/80. Nesse período, os docentes da rede pública receberam a orientação de trabalhar dentro de uma nova proposta: O Construtivismo.
            Em primeiro lugar, precisamos esclarecer o que é Construtivismo. Jean Piaget (1896 – 1980), suíço, biólogo, foi um importante pesquisador e deixou grandes contribuições acerca do desenvolvimento da inteligência humana. Piaget preferiu ser classificado como um epistemólogo genético. A epistemologia genética é a ciência que explica como o conhecimento é adquirido.
Sua pesquisa trouxe a possibilidade de se compreender como a criança pensa desde seus primeiros anos de vida. O fato de termos acesso a essa compreensão, com certeza, seria um facilitador para o campo da Pedagogia, ou seja, os professores e os educadores, conhecendo os processos de desenvolvimento da inteligência, desde a infância, teriam subsídios teóricos para desenvolverem os conteúdos de suas disciplinas de forma adequada ao desenvolvimento psicológico da criança, isso em todas as disciplinas de estudo. De fato, essa foi uma grande contribuição no sentido do professor conhecer os estágios de desenvolvimento e elaborar os conteúdos de suas disciplinas de  forma adequada a esse conhecimento.
Piaget, por meio de sua pesquisa, observou que as crianças constroem conhecimento; entendeu o conhecimento como adaptação e como construção individual e pensou a aprendizagem e o desenvolvimento como auto-regulados. Ponto esse de convergência com os estudos de Vygotsky. Ambos apresentaram o desenvolvimento/aprendizagem da criança como um processo ativo, que não ocorre de maneira automática. Podemos afirmar que Piaget interessava-se por pesquisar como o conhecimento é construído e sua teoria é uma teoria da construção que ocorre na mente do indivíduo, Wadsworth5.
Desde que nasce, então, a criança inicia seu trabalho de conhecer o mundo e esse conhecimento vai sendo construído à medida que se relaciona com os objetos do seu contexto. É fundamental que o professor leia e estude as pesquisas de Piaget, de Vygotsky, de Wallon e outros pesquisadores, para compreender como se desenvolvem os processos da construção do conhecimento (o que não vamos tratar aqui).
            A palavra construção é essencial à teoria de Piaget, porque, por meio dela, sabemos que a criança, desde que nasce, busca conhecer o mundo que a rodeia, de acordo com suas possibilidades orgânica; física; cognitiva; afetiva; social e esse é um processo de ensaio e erro, de hipóteses que vai construindo para melhor se adaptar e viver criativamente o mundo. Dessa forma, a criança constrói conhecimento, porque faz parte do humano o desenvolvimento da inteligência.
            Vale ressaltar que o trabalho de Piaget demorou a ganhar atenção nos Estados Unidos, segundo Wadsworth5, “As razões disto, além do fato de ser escrito em francês, estão amplamente relacionadas com a natureza da sua teoria e com a metodologia da pesquisa. Os conceitos que ele usou não foram, facilmente, aceitos na América; nem sua metodologia “experimental”.A psicologia, nos Estados Unidos, tinha uma forte tradição behaviorista. Teóricos como Thorndike, Tolman, Hull, Watson, Spence e Skinner dominavam o cenário, todos interessados na relação estímulo-resposta e no conceito de reforçamento. Os psicólogos americanos da escola behaviorista, tradicionalmente, não inferiam a existência dos processos mentais internos (de pensamento). Assim, os conceitos piagetianos como assimilação eram totalmente estranhos à posição behaviorista. Piaget não defendia comportamento em termos de estímulo-resposta e ele não usava o construto do reforço. Alguns dos importantes conceitos piagetianos são esquemas, assimilação, acomodação e equilibração. Ainda, Piaget inferia a existência de processos mentais internos. Foi difícil para muitos psicólogos americanos vir a entender tais conceitos.”
                                     Com certeza, a teoria de Piaget foi difícil de ser aceita nos Estados Unidos em vista dos aspectos que regem a cultura americana: prática, pragmática e que requer soluções rápidas para os seus problemas. Mesmo a psicanálise freudiana, ainda hoje, é pouco compreendida e aceita, por ser profunda e demandar um tempo maior para a elaboração dos problemas. Por isso, as teorias comportamentais (behaviorismo, por exemplo) e os métodos objetivos e práticos de ensino e terapêuticos serem aceitos sem maiores problemas. Dentre eles, está o método fônico; a programação neurolingüística - PNL (um tipo de terapia) e a farmacologia (o uso de remédios para resolver as doenças da alma e também os problemas com a aprendizagem).  
                                       Nós precisamos compreender nossa cultura, nossos valores, nossas concepções de homem, mundo, sociedade e cultura, a fim de que possamos construir nossas “pontes” para a resolução de nossos problemas. Importar métodos e estratégias, sejam de onde for, sem avaliá-los de acordo com nosso contexto é um grande risco social  para todo o povo.
            Já a teoria de Piaget nos traz algo inédito acerca do desenvolvimento da inteligência humana, que se amplia por meio da construção, da busca de conhecimentos, tal como a humanidade fez e faz ao longo dos anos, um processo filo-ontogenético. Construímos conhecimento a todo tempo e isso nos modifica culturalmente ao longo da vida. Esse processo não é método, não é técnica. É um dado importante acerca da compreensão do desenvolvimento humano que deveria ser um facilitador para o educador desenvolver suas estratégias didáticas frente ao seu grupo. Esse movimento é o que permite a autoria do professor, porque dessa maneira, ele deverá observar o grupo, seu desenvolvimento para, então, criar estratégias e métodos de ensino de acordo com as necessidades apresentadas no contexto.
Nesse sentido, o professor é observador, é pesquisador. Tem autoria e autonomia para desenvolver estratégias didáticas que sejam condizentes com seu grupo. O professor também constrói conhecimento dentro dessa perspectiva: constrói um conhecimento sólido, fundamentado sobre seus alunos e quais estratégias desenvolver.  Para viver esse movimento, o professor deve conhecer e estudar as teorias psicológicas aplicadas à Educação; as concepções teóricas sobre ensino-aprendizagem; os métodos e as estratégias para alfabetizar; compreender o paradigma em que está inserido; pensar sobre o contexto sócio-histórico-cultural-político, a fim de que possa ter uma compreensão ampla sobre o que é ser professor e fundamentar sua prática de forma consistente.
 Cabe ao professor se preparar, estudar, para não fazer uma leitura equivocada e descontextualizada das teorias que se apresentam como salvadoras e, muitas vezes, impostas pelos especialistas da educação que não produziram uma discussão clara e profunda com os professores e com a sociedade frente às mudanças que impõem à Educação. O professor precisa ser ouvido e se pronunciar urgentemente sobre suas experiências e pensamentos e a melhor forma de ensinar.
O Construtivismo jamais poderia ser um método, como muitos apregoam. Construtivismo é uma proposta filosófica de como olhar e compreender o como a criança avança em seus conhecimentos. O “erro” nessa teoria serve para que o professor possa entender como o aluno levanta hipóteses sobre um determinado conhecimento, ou seja, todo aluno apresenta um conhecimento prévio que precisa ser acionado, para tornar-se significativo para ele, bem como para envolver-se diretamente como um sujeito ativo-interativo no processo de sua aprendizagem. Nesse sentido, o “erro” é para ser trabalhado, sim, confrontado com o que é chamado de “certo”, para que o aluno possa compreender e construir o conteúdo adequado ao conhecimento.
Quantos equívocos essa teoria trouxe aos professores, aos pais e aos alunos, à Educação em geral, por falta de conhecimento teórico, por falta da leitura aprofundada das pesquisas, por falta de uma discussão adequada por parte de todos os envolvidos com a Educação: Educadores, Governantes e Sociedade.
            O equívoco maior recaiu sobre o Ensino Fundamental, no período da Alfabetização da criança. Lembramo-nos de muitos professores assustados, sem saber o que fazer com a nova proposta que vinha encaminhada pelos órgãos superiores da educação: o Construtivismo. Muitos professores não preparados, sem conhecimento da teoria de Piaget e das contribuições que poderia representar na sala de aula, zeraram todo seu conhecimento e começaram a fazer algo que não compreendiam. Muitas vezes, os professores diziam: “Agora não poderemos mais corrigir os erros dos alunos!” Quanto equívoco! Quanto sofrimento!
Atualmente, estamos colhendo os frutos de tamanha confusão: crianças e jovens semi-analfabetos, professores desencantados e, para completar, o equívoco que se tornou a progressão continuada; salas numerosas; baixa remuneração; formação inadequada de profissionais; a divisão sócio-política das escolas e universidades entre públicas e privadas; enfim, são muitos os problemas e a discussão se faz urgente. Falta um verdadeiro e competente diálogo entre os setores superiores da educação, os professores que necessitam ser ouvidos e a sociedade, contudo, qual o real interesse disso tudo?! Será o de manter o povo como um todo: pais, professores, alunos nesse marasmo que virou a Educação. Educar quem? Educar como? Educar para o quê?! Será que há real interesse em educar, em construir o letramento; o pensamento alfabetizado no país? Servimos a que interesses enquanto professores?! A quem todos esses equívocos interessam?!
            Como se deu essa proposta: O Construtivismo na Alfabetização?
Mais um grande equívoco por parte de todos.
Para responder a essa questão, enveredamos pelos estudos de Azenha6, “Os anos 80 assistiram, no Brasil e na América Latina, a um crescente interesse pelo tema da alfabetização inicial. A constituição e o aprofundamento dos debates sobre este tema específico podem ser testemunhados pelo grande número de seminários, mesas redondas, artigos e textos publicados durante o período. A difusão rápida das idéias de Emília Ferreiro dirigiu grande parte da reflexão teórica e da discussão sobre alfabetização, não só entre pesquisadores, mas também entre um grande número de professores atingidos pela divulgação dos postulados desta pesquisadora. Emília Ferreiro é Argentina de nascimento e psicopedagoga de formação. Doutorou-se pela Universidade de Genebra, orientada por Jean Piaget, de quem posteriormente tornou-se colaboradora. Iniciou suas pesquisas empíricas na Argentina, em trabalho conjunto com Ana Teberosk, e os resultados foram publicados na obra Los sistenmas de escritura em el desarrolo del nino, em 1979. (....) Seu primeiro livro traduzido no Brasil, Psicogênese da língua escrita, representou uma grande revolução conceitual nas referências teóricas com que se tratava a alfabetização até então, iniciando a instauração de um novo paradigma para a interpretação da forma pela qual a criança aprende a ler e escrever.”  Portanto, se Piaget quis estudar a gênese do conhecimento, Emília Ferreiro, discípula  de Piaget, estudou a gênese da escrita.
Tal como seu mestre, partiu para uma grande pesquisa entre as crianças, cujo intuito era o de compreender como iniciavam suas interações com a escrita e como a produziam. Refere Ferreiro7 que: “(....) as mudanças necessárias para enfrentar sobre as bases novas a alfabetização inicial não se resolvem com um novo método de ensino, nem com novos testes de prontidão nem com novos materiais didáticos (particularmente novos livros de leitura). É preciso mudar os pontos por onde nós fazemos passar o eixo central das nossas discussões. Temos uma imagem empobrecida da língua escrita: é preciso reintroduzir, quando consideramos alfabetização, a escrita como sistema de representação da linguagem. Temos uma imagem empobrecida da criança que aprende: a reduzimos a um par de olhos, um par de ouvidos, uma mão que pega um instrumento para marcar e um aparelho fonador que emite sons. Atrás disso há um sujeito cognoscente, alguém que pensa, que constrói interpretações, que age sobre o real para fazê-lo seu.” Dessa forma, a autora apresentou para o mundo sua grande contribuição, comprovou por meio de suas observações que a criança, muito antes de entrar na escola, desde cedo, apresenta hipóteses sobre o como se escreve e como se dá o desenrolar desse processo, à medida que se desenvolve, a criança é antes de tudo um sujeito que conhece.
Assim, sua teoria representou um grande avanço sobre as hipóteses de escrita da criança. A autora chegou, por meio de suas pesquisas, a cinco hipóteses que a criança constrói, o que faz parte de seu desenvolvimento. Em momento algum, em sua teoria, disse estar organizando um método de alfabetização, a partir das hipóteses que levantou em seu trabalho. E mais uma vez, o equívoco se instaura: sua pesquisa é apregoada como método e de forma confusa entre os professores que não compreenderam como proceder no período de alfabetização da criança, por não conhecerem a teoria e não terem discutido mais profundamente as teorias sobre o desenvolvimento humano (Piaget, Vygotsky, Wallon, entre tantos). No entanto, aquilo que foi o legado desses autores, um caminho, um norte para nossas discussões enquanto educadores, é ignorado. Nenhum dos autores citados tinha por intenção criar um método, uma técnica de alfabetização. O método compete ao professor. A partir de seus estudos e pesquisas, desenvolver estratégias adequadas para que o aluno aprenda com competência.
O professor foi esvaziado do movimento da autoria e do ato político que é educar; tornou-se um instrutor, um transmissor do conhecimento por meio de estratégias, técnicas e métodos prontos e acabados para suas aulas, não para o seu aluno, o sujeito do processo. Onde está, então, a autoria do professor, o engajamento político e social do professor, que lhe possibilite pensar métodos e estratégias, condizentes a uma práxis atuante e reflexiva de sua atuação como Educador que é? Que pensa em seus alunos e no país em que vivem, na sociedade e no povo? E no cenário mundial, quem somos nós, seremos apenas massa trabalhadora e consumidora a servir os países desenvolvidos e oportunistas dentro de nosso próprio país? Que se dá conta do caos social que estamos vivendo: merendas, bolsa escola, fome zero, até quando esse humanitarismo vai prevalecer em detrimento da humanização e da educação do povo. Falta autoria, reflexão, engajamento, transformação social para a liberdade de ser dignamente humano.
Em vista de nossa atual crise na Educação, parece-nos que discutir o método de alfabetização é ter uma visão reducionista dos problemas que enfrentamos, fundamentalmente, no que se refere à alfabetização.
Será, de fato, que o analfabetismo, a falta de letramento que está tomando conta do país é simplesmente uma questão de método?! Podemos pensar mais uma vez nos grandes equívocos em que estamos todos envolvidos. Nesse sentido, levantamos alguns dispositivos, um conjunto de meios planejadamente dispostos para um fim determinado: jogo de poder e saber. Os dispositivos relacionados têm como função gerar questionamentos sobre os rumos da Educação em nosso país e ampliar essa discussão, para que de fato os envolvidos no processo educacional possam ter voz.
Citamos aqui alguns dos dispositivos que impedem e comprometem a qualidade de nossa Educação:
1.    O equívoco das discussões sobre métodos de alfabetização.
2.    Classes numerosas.
3.    O equívoco da Progressão Continuada.
4.    A baixa remuneração dos profissionais da educação.
5.    O apartheid da educação: escola e universidade públicas e escolas e universidades privadas.
6.    Formação de professores: Ensino Superior; Graduação de Pedagogia e Licenciaturas.
7.    Falta de formação continuada para o professor.
8.    Péssimas condições de trabalho.
9.    Problemas sociais: a desestruturação familiar (as crianças abandonadas dentro de casa).
10.  A necessidade da mulher estar no mercado de trabalho, o que compromete a qualidade do acompanhamento escolar e social dos filhos.
11.  Crianças que precisam trabalhar.
12.  O império da farmacologia: o aluno que não aprende torna-se doente.
13.  A escola como fonte de assistencialismo.
14.  O discurso da mídia e da sociedade que desvaloriza a educação como possibilidade de transformação social.
15.  O ensino fundamental de nove anos: a infância reduzida; a antecipação da construção dos processos de leitura e escrita?
Para coroar, a falta de ética e de responsabilidade de nossos representantes.
 Enfim, salas numerosas, falta de professores, péssimas condições de trabalho em vários aspectos, péssima remuneração, falta de formação adequada, progressão continuada e tantos outros problemas de ordem política nos fazem pensar que discutir apenas Método na atual conjuntura da Educação, em nosso país, é desviar a questão, desviar o olhar de algo extremamente grave que ocorre em nosso contexto: a desumanização do homem em prol do capital desenfreado.
Já que estamos na maré da globalização, dentro de uma ideologia neoliberal, pensar a escola, não é pensar apenas o método, mas, sim, pensar no seu processo de reestruturação, para que possa formar cidadãos preparados e qualificados para um novo tempo, conforme Libâneo8, “a) formar indivíduos capazes de pensar e de aprender permanentemente (capacitação permanente) em um contexto de avanço das tecnologias de produção, de modificação da organização de trabalho, das relações contratuais capital-trabalho e dos tipos de emprego; b) prover formação global que constitua um patamar para atender à necessidade de maior e melhor qualificação profissional, de preparação tecnológica e de desenvolvimento de atitudes e disposições para a vida numa sociedade técnico-informacional; c) desenvolver conhecimentos, capacidades e qualidades para o exercício autônomo, consciente e crítico da cidadania;                  d) formar cidadãos éticos e solidários.“
Como podemos avaliar, a questão é muito mais profunda e somente uma discussão e uma ação efetivas poderão nos ajudar a construir uma escola mais humanizadora, que zele pelos princípios da autonomia, da responsabilidade e da solidariedade. De acordo com Gadotti9 , “ A luta pela autonomia da escola insere-se numa luta maior pela autonomia no seio da própria sociedade, portanto é uma luta dentro do instituído, para instituir outra coisa. A eficácia dessa luta depende muito da ousadia de cada escola em experimentar o novo e não apenas de pensá-lo. Mas para isso é preciso percorrer um longo caminho de construção de confiança na escola e na capacidade dela resolver seus problemas por ela mesma, de se autogovernar. A autonomia se refere à criação de novas relações sociais que se opõem às relações autoritárias existentes. (....) Pensar numa escola autônoma e lutar por ela é dar um sentido novo à função social da escola e do educador que não se considera um mero cão de guarda de um sistema iníquo e imutável, mas se sente responsável também por um futuro possível com eqüidade.” Professores, somos tantos em nosso país, apreensivos, temerosos, preocupados com a capacitação, com as condições de trabalho,  com o salário, com a tarefa de ensinar. Precisamos nos preocupar também com a construção de nossa sociedade, por meio de uma educação digna e humanizadora, que possa  possibilitar uma vida melhor em todos os seus aspectos: saúde; segurança; trabalho e conhecimento  para nosso povo.
Para onde caminhamos?!

Referências

1. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia – saberes necessários à prática educativa. 10ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 113-114.

2. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 33ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002. p. 20 – 21.

3. Folha de São Paulo. Governo vai rever processo de alfabetização; debate opõe linha construtivista, predominante hoje no país, e o método fônico – MEC discute a volta do “vovô viu a uva”. São Paulo, S P: FSP; 2006; 11 (02) C 1.

4. SOUZA, Aparecida Néri de. A política Educacional do Banco Mundial. In: GANZELI, Pedro (org.). GESTORES – Estudo, Pensamento e Criação – Livro II. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2005. p. 101. p. 114 – 115.

5. WADSWORTH, Barry J. Inteligência e Afetividade da Criança na Teoria de Piaget. 5ª ed. São Paulo: Editora Pioneira, 2000. p. 9.

6. AZENHA, Maria da Graça. Construtivismo – De Piaget a Emília Ferreiro. 7ª ed. São Paulo: Ática, 2002. p. 34 - 35.
7. FERREIRO, Emília. Reflexões sobre a alfabetização. 5ª ed. São Paulo: Cortez Editora, 1986. p. 40 – 41.

8. LIBÂNEO, José Carlos; OLIVEIRA, João Ferreira; TOSCHI, Mirza Seabra. Educação Escolar: políticas, estrutura e organização. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 53.

9. GADOTTI, Moacir. Escola Cidadã.  4ª ed. São Paulo: Cortez, 1997. p. 47 – 48.

Rossana Aparecida Vieira Maia Angelini
Profª Mestre da Universidade de São Paulo - UNIP – Curso de Pedagogia;
Profª Mestre da Universidade São Marcos – UNIMARCO – Curso Lato Senso de Psicopedagogia;
Psicopedagoga Clínica.



Trabalho desenvolvido na UNIP -  Curso de Pedagogia.                                                                                   

Artigo - UM OLHAR SEMIÓTICO PARA O PROCESSO DE APRENDIZAGEM DE SUJEITOS COM DEFICIÊNCIA MENTAL

UM OLHAR SEMIÓTICO PARA O PROCESSO DE APRENDIZAGEM DE SUJEITOS COM DEFICIÊNCIA MENTAL

THE SEMIOTIC VISION ABOUT THE MENTAL DISABLED TEENAGERS IN A LEARNING PROCESS

Rossana Aparecida Vieira Maia Angelini
 Mestra em Educação, Administração e Comunicação
pela Universidade São Marcos, Psicopedagoga
pela Universidade São Marcos e Letras -
Licenciatura em Língua Portuguesa e Literaturas Brasileira e Portuguesa
pela Universidade de São Paulo.

RESUMO

        Este artigo tem como proposta apresentar uma experiência no processo de aprendizagem com jovens de uma escola especial em São Paulo. A escolha desse tema se dá pela possibilidade de ver esses jovens como pessoas capazes de aprender, a partir de uma relação que se estabelece por meio de signos que são veiculados a todo momento entre ensinante e aprendente, uma relação sígnica que permite uma escuta atenta ao que o sujeito da aprendizagem põe em circulação, uma escuta às suas demandas. O que salta aos olhos nessa relação é a percepção do ensinante que coloca o aprendente no lugar do saber, movimento que faz uma diferença considerável na mediação, para que a aprendizagem seja prazerosa. Procuramos, assim, um diálogo entre a semiótica e a psicopedagogia para dar conta do movimento do processo de aprendizagem que o aluno vivencia na sua relação com o professor, um sujeito singular nesse movimento.

PALAVRAS - CHAVE

Psicopedagogia; Deficiência Mental; Semiótica.

SUMMARY

This article presents an experience with mental disabled teenagers in a learning process, which occured in a Special School here in São Paulo. The choice of this subject permits the possibility of transforming these young teenagers into capable learning people. This learning process is based on a relationship through signals between student and teacher. It's an affective dialogue relationship. The one who learns shows the teacher all his needs and demands to improve the process. What calls our attention in this relationship is the perception of the teacher. The teacher gives the student the knowledge capability, which makes a considerable difference in the learning mediation. This makes the learning process much more pleasurable. This process goes through a dialog between the semiotic and the psychopedagogy which permits the learning movement process which the student lives in his relationship with the teacher, who is the singular part in this movement.

KEY WORDS

Psychopedagogy; Mental Disabled ; Semiotic


 










       UM OLHAR AO SUJEITO
"Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido."
Alberto Caeiro ( Heterônimo de Fernando Pessoa),
"O Guardador de Rebanhos" in "O Eu Profundo e os Outros Eus"                                                                                                                                                            1980.


        A Psicopedagogia propicia um olhar que lida com as possibilidades do sujeito em toda e qualquer situação de aprendizagem. Esse olhar do ensinante é o que permite capacitar o sujeito a aprender. É a partir do movimento da mediação que buscaremos compreender a possibilidade de aprendizagem, ao colocarmos o aprendente no lugar do saber.
        Nosso interesse, ao nos propormos falar do aprendente com necessidades especiais, tem por objetivo mostrar a capacidade de aprendizagem desse sujeito, desde que haja uma mediação humanizadora que ampare suas angústias, seu sofrimento. Logo, se faz necessário "escutar" atentamente os signos que são apresentados, para a compreensão do movimento do sujeito em relação à sua aprendizagem e, assim, criarmos condições facilitadoras para que o aprender aconteça, seja em  matemática, em língua portuguesa, em alfabetização, em ciências, em estudos sociais, enfim em qualquer conteúdo.
        Dessa forma, estamos buscando olhar os signos e interpretá-los, a fim de que sejam criadas situações que promovam o desejo e a felicidade por aprender.
        Quem é o aprendente na escola especial?
        Essa pergunta tem sido o eixo de meu trabalho na escola especial, enquanto professora e psicopedagoga.  Como aponta  MANTOAN1               

          Em primeiro lugar, parece-me fundamentalmente necessário distinguir o que é da ordem da deficiência em termos de déficts reais, ou seja, de lesão orgânica devidamente instalada como causa do problema, e o que é da ordem do déficit circunstancial, em que intervêm  os determinantes sociais. No  caso  do  handcap orgânico, configura-se um estado definitivo, em que o sujeito é, de fato, deficiente. No outro, trata-se de uma situação criada pela interação entre incapacidades física e/ou mental e os obstáculos que o social interpõe entre o sujeito e o meio. Diz-se que o sujeito nessas circunstâncias não é, mas está deficiente.
                                                                          
         
        Concebemos esse aluno como um ser humano, independente da deficiência que possa apresentar, seja um déficit orgânico ou não. Estamos numa outra ordem  dos movimentos, em que todos os alunos são sujeitos de suas vidas, sujeitos de sua aprendizagem, basta encontrarmos o canal adequado para entrarmos em sintonia. O respeito ao humano, parece-nos a chave que abre o canal de comunicação, o que amplia as relações do sujeito. Estamos no lugar que promove um saber e que capacita o aprender.
        A partir desse olhar, o aprendente é sempre um sujeito, onde o "quem" habita. O aluno especial é aquele que necessita de um "conforto emocional" maior para poder pôr em ação o seu processo cognitivo-afetivo, tenha ele uma lesão orgânica ou não. Ao olharmos para o aprendente especial, parece-nos que suas possibilidades de aprendizagem são muito pequenas ou quase inexistentes, esse é um olhar que subestima, que impede o processo cognitivo, que aprisiona professor e aluno.
        Por meio de um trabalho mais detido com esses alunos e da vivência de seu processo de aprendizagem, observamos que eles têm capacidade de aprender dentro de suas possibilidades. Segundo MANTOAN1

              Com efeito, segundo a concepção piagetiana, essas pessoas são seres cognoscentes e, como tais, sujeitos às mesmas  condições a partir das quais a  Epistemologia  Genética define o modo de construção e  de  objetivação dos conhecimentos entre os humanos. Em outras palavras, quer se refira a um desenvolvimento inacabado das estruturas mentais  -  como  é  o caso dos deficientes mentais, quer se trate de um ser normal, cuja  inteligência pode alcançar os níveis  mais  elevados das formas  de raciocinar a  pessoa humana passa pelas mesmas etapas  de evolução mental, realizando processos similares de construção das referidas estruturas.

        As crianças especiais desenvolvem-se, crescem, passam pela infância, pela pré-adolescência, pela adolescência. São pessoas que, se respeitadas como seres humanos capazes, têm potencial de aprendizagem, de um desenvolvimento afetivo, cognitivo, existencial.
        Dessa forma, outra reflexão vem à tona: Qual olhar cabe ao aluno especial? Cabe um olhar ao ser humano que emerge daquele sujeito: um sujeito que tem desejos, que tem aspirações, que tem Eros, que tem vida e o direito à felicidade, um sujeito que vive, se desenvolve como outros, contudo num tempo cronológico especial, diferente daquele considerado para outros seres compreendidos como "normais".
        Nosso olhar é para um ser que tem de ser respeitado (assim como todos seres humanos), que precisa e pode crescer dentro de  suas possibilidades. Esse crescimento demanda confiança, amor, gestos que redimensionam o desenvolvimento do sujeito como um todo.
        Cabe-nos um olhar ao humano, a suas possibilidades, sem contudo o infantilizarmos por meio de um pensamento preconceituoso que impossibilite seu crescimento ou mesmo um pensamento que  iniba ou conforme a modalidade de aprendizagem do sujeito. Acreditamos que a palavra chave é o respeito ao outro, respeito a seus limites, seja esse sujeito especial, diferente, normal. Só assim, estaremos desenvolvendo um olhar humanizador, antes de olharmos para o problema seja ele qual for. Esse movimento leva-nos a crer no distanciamento da barra entre o que é normal e não-normal. De acordo com MANTOAN1

               Os deficientes possuem as mesmas necessidades de todas outras pessoas e respondem ao tratamento que recebem daqueles com quem interagem de modo diferenciado - variam muito as suas atitudes, de acordo com as solicitações que recebem do meio. Essas pessoas como, as normais, desejam   ser   respeitadas,  livres e independentes e cabe a nós oferecer-lhes oportunidades em que tenham de decidir, optar, escolher, de acordo com seus interesses, necessidades, inclinações. Elas querem ser responsáveis por seus atos e suas vidas e aspiram poder competir com os demais, mas na garantia de que não serão logradas pela superproteção ou pela desvalorização prévia de suas capacidades e produtividade.
        Ser ouvido é o caminho para o respeito ao próximo, ouvi-lo no silêncio, nos gestos, na fala, no riso, no choro, no corpo: um olhar semiótico, em que os signos falam e propõem uma comunicação.
       
        A SEMIÓTICA - UM CANAL DE COMUNICAÇÃO

        O termo semiótica foi introduzido por Charles Sanders Peirce2 (1839-1914), filósofo e matemático norte-americano que concebeu a semiótica como um estudo da linguagem enquanto lógica, uma lógica dialética, na visão de Hegel, idealista e dialético. Na antiga Grécia, dialética equivale ao conceito de diálogo. O movimento dialético/dialógico, nessa perspectiva, vê os fenômenos em processo, ou seja, as coisas não são interpretadas na qualidade de objetos fixos, mas em movimentos: nada está pronto, acabado, o que há  são vias de transformação; o fim de um processo é sempre o começo de outro, um canal que se abre para a comunicação, para o diálogo.
        O fundamento da semiótica encontra-se na teoria geral dos signos, cujo termo vem da raiz "semeion" (do grego), quer dizer signos, é a ciência dos signos - que representa todas as linguagens como fenômeno de produção de significação e de sentido.
       O nosso movimento é o de encontrar o sujeito no emaranhado de signos que são veiculados a todo instante em nossas relações. Ouvir uma linguagem convencional ou não convencional, ou seja, perceber o sujeito, é o que nos dá condições de resgatá-lo, significá-lo ou ressignificá-lo no mundo.
        Dessa forma, procuramos compreender, no contexto do processo de aprendizagem de nossos alunos, os sinais emitidos, buscando os significados de que estão dotados e num movimento dialético capturar os sinais, interpretá-los e modificarmos o movimento do sujeito na sua relação com a aprendizagem, ressignificando o aprender.
        Esse é o olhar que busca entender o sujeito da aprendizagem em sua completude,  em sua possibilidade de ser humano, um sujeito que é singular na sua essência, que apresenta suas demandas e que, de alguma forma, pode colocá-las em circulação, ou melhor, em comunicação, desde que o professor, o mediador, esteja atento ao sujeito, aos seus movimentos.
        Uma das aprendizagens que vamos eleger para esse olhar é o da aquisição de leitura e escrita desses sujeitos, a qual tem sido desafiadora, no sentido de tornar esse processo significativo. Ao falarmos em alfabetização, não podemos deixar de olhar para o movimento que o sujeito expressa frente à leitura do mundo, observamos que o mundo gráfico só faz sentido, num primeiro momento, pelo caminho afetivo do som, é ouvindo o som de letras, de sílabas, de nomes de pessoas queridas que existe a possibilidade de significar uma escrita articulada ao som que a palavra expressa. Estamos no terreno da subjetividade, em que os signos, os seus significantes (a matéria sonora e a matéria visual) apenas apresentam significado se entrarmos pela porta do afeto.
       Essas observações nos dão a capacidade de perceber a complexidade das relações no processo ensino-aprendizagem, com sujeitos especiais. Nesse sentido, buscamos compreender o fenômeno gerado no contexto do processo de alfabetização, a fim de colaborarmos com o prazer de aprender.
        Estamos no terreno das possibilidades, em que os signos comunicam algo que pode vir expresso na cena, na fala do corpo, dos gestos, do brincar, enfim de tudo o que é veiculado nas relações, um processo dinâmico, interativo que propõe um diálogo entre ensinante e aprendente. Desse ponto de vista, vamos ao encalço de um sujeito sígnico que a todo tempo comunica algo por meio de signos verbais ou não-verbais. Como aponta SANTAEllA3
               
        Somos uma espécie animal tão complexa quanto são complexas e plurais as linguagens que nos constituem como seres simbólicos, isto é seres de linguagem. (...) Portanto quando dizemos linguagem, queremos nos referir a uma gama incrivelmente intrincada de formas sociais de comunicação e  de  significação que inclui a linguagem verbal articulada, mas absorve também, inclusive, a linguagem dos surdos-mudos, o sistema codificado da moda, da  culinária  e tantos outros. Enfim todos os sistemas de produção de sentido aos quais o desenvolvimento dos meios de  reprodução  de  linguagem  propiciam  hoje  uma difusão.
                               
        Pretendemos apontar que a relação ensinante/aprendente no processo de aprendizagem gera um campo semiótico onde os signos se movimentam entre ambos, mostrando o desejo de quem aprende e o de quem ensina. Esse movimento permite-nos uma "escuta" para a demanda do sujeito que vivencia seu processo.
       Nossa preocupação está em construir o sentido do movimento da alfabetização com alunos especiais, para adotarmos uma estratégia de intervenção adequada. Por isso, assinalamos uma abordagem semiótica da investigação, a qual nos propicia um olhar aos signos, enquanto um processo de comunicação. Compreendemos o conceito de comunicação, segundo BAKHTIN4, em que a relação entre professor e aluno se dá a partir de um movimento dialógico, o qual cria entre locutor e receptor uma atitude a que o autor denomina de atitude responsiva ativa. Vejamos:

               De fato o ouvinte que recebe e compreende a significação (lingüística) de um discurso adota simultaneamente, para com esse discurso, uma atitude responsiva ativa: ele concorda ou discorda (total ou parcialmente), completa, adapta, aponta-se para executar, etc., e essa atitude do ouvinte está em elaboração   constante  durante todo o processo de audição e de compreensão desde o início do discurso, às vezes já nas primeiras palavras emitidas pelo locutor. A compreensão de uma  fala  viva, de um enunciado vivo é sempre acompanhada de uma atitude responsiva ativa (conquanto o grau dessa atitude seja muito variável); toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente a produz: o ouvinte torna-se locutor.

        Na relação de aprendizagem com nossos alunos, a todo tempo, estamos atentos aos signos que são veiculados e, que de alguma forma, estabelecem uma comunicação que requer de nós uma interação, uma atitude responsiva ativa, o que nos capacita a adotar uma refinada percepção para uma linguagem não convencional, que requer ser "escutada". Como ECO5 aponta, nesse tipo de conhecimento - semiótico - há outros fatores que entram em jogo: um cheiro, um olhar, uma intuição...

        O SOM E O SENTIDO PROFUNDO

        Os alunos que atendemos em processo de aquisição de leitura e escrita apresentam especial percepção sonora do mundo. As letras sempre tiveram sons e caminhar por esse universo permite-nos a compreensão desse movimento: uma sincronia entre letras e sons. Em nosso dia-a-dia, temos observado a percepção sonora de cada aluno, a ênfase que ele dá a esse percurso nos processos de alfabetização, onde o próprio aluno nos apresenta esse caminho para uma possível escrita, para o registro daquilo que se fala. Podemos compreender, na prática, um processo que prima pela sincronia som-grafia. Essa é uma das pistas que o aluno nos oferece.
         Passeando por esse percurso, recuperamos o próprio movimento que a humanidade fez para chegar à grafia, aproximando-o da trajetória que a criança faz para construir suas hipóteses gráficas. Estamos, dessa forma, querendo situar o nascimento do som e da grafia dentro de um movimento filogenético (evolução da espécie) e ontogenético (evolução do indivíduo) para a compreensão do mesmo movimento que o sujeito da alfabetização realiza em seu processo de aquisição da escrita, um movimento que nos encanta, que nos faz recuperar um tempo em que imperavam outras linguagens. Antes do homem usar a palavra, ele se fazia entender por gestos, depois veio a linguagem oral, a  primeira forma organizada de comunicação entre os homens, na infância da humanidade.
        Podemos pensar segundo TORRANO6 que na antigüidade grega, antes do homem escrever, ele ouvia o encantamento das palavras e inspirado pelas Musas, deusas que presidiam as artes, o mundo se fazia pela oralidade, onde todo o conhecimento era narrado, contado, transmitido para as futuras gerações. O mundo, então, era cantado pelo aedo, o poeta, um mundo que era percebido divinamente pela memória. Memória, a mãe das musas, que gerava e dava luz às palavras cantadas, palavras que ficavam instaladas no corpo, palavras que ficavam instaladas no inconsciente, palavras - forças divinas, nascidas de Zeus (Júpiter ou Jove) e Memória (Mnemósine). Tínhamos o mundo da oralidade, que se manifestava pela sensibilidade do poeta, cuja finalidade era de encantar o mundo, perpetuar sua história por meio de um mundo sonoro.
        Ao olharmos para o percurso que o sujeito faz em seu processo de alfabetização, observamos o mesmo movimento que a humanidade fez: primeiro o movimento da oralidade, o som das palavras, das histórias que vão mediar uma futura grafia, uma escrita prévia de um inconsciente. A criança que vivencia cada som e é estimulada a falar, a contar sua história, tem a possibilidade de  experimentar o mundo sonoramente, constituindo-se como sujeito que pertence a um meio sócio-cultural.
        O homem é um ser simbólico-cultural, diferencia-se de outros seres porque pensa e constrói estruturas mentais cada vez mais complexas. Esse movimento faz parte da natureza humana, que vive modificando o mundo. Como não poderia deixar de ser, o homem continuou a transformar, de seus gestos nasceu a linguagem oral e das pinturas que registrava nas cavernas, nasceu a escrita, uma forma sofisticada de comunicação.
        Com a adoção do alfabeto, o pensamento racional se sobrepõe ao subjetivo e a linguagem abstrato-conceitual, um instrumento de análise tanto do cosmos como da realidade humana, passou a imperar sobre o subjetivo. A razão tornou-se, assim, o suporte para o discurso em prosa, para expressar a lógica do pensamento. A lógica decreta uma nova ordem para o pensar: o signo escrito torna-se a eleição da comunicação humana. Caminhamos, dessa forma, de um mundo ágrafo para um mundo gráfico racional. A palavra escrita passa a ser o segundo movimento. As palavras antes soltas e despojadas no mundo oral agora são aprisionadas dentro de uma escritura fixa e precisa que o sujeito necessita aprender a dominar para "estar no mundo".
        Temos um movimento bastante intricado que transita da subjetividade para a objetividade, ou seja, transita pelo mundo da emoção e da razão, do inconsciente ao consciente. Um movimento complexo para a criança e/ou jovem com algum tipo de deficiência. Acreditamos que para o sujeito vivenciar sua alfabetização de forma saudável, precisa brincar, expor-se oralmente, brincar com sons e movimentos, liberando toda sua atividade emocional aprisionada, o que lhe dará a possibilidade de trazer à tona os conflitos até, então, reprimidos, para uma possível consciência do prazer e transitar pelos seus labirintos.
        Trilhamos pelo caminho do desejo, o desejo de sentir-se desejado. Pensamos, segundo FINK7 o sujeito lacaniano em que o inconsciente é estruturado como linguagem. O inconsciente nada mais é que uma "cadeia" de significantes, tais como palavras, fonemas e letras, contudo é o outro que dá o significado, o outro, o mediador, que transforma o desejo em linguagem, o que capacita a comunicação do sujeito. O inconsciente é linguagem e linguagem é desejo. Nesse sentido, o outro tem a possibilidade de transformar nosso desejo em linguagem. Ao partir desse movimento, pensamos no processo de aprendizagem, em que o professor é o outro, o mediador, aquele que pode investir o sujeito de desejo e desejar sua aprendizagem, despertando o desejo de ser desejado. Assim, o afeto é a via de acesso para esse processo.
        Uma das formas que encontramos para trabalhar com a alfabetização, visto que esses alunos já estavam no desenvolvimento do seu processo de aquisição de leitura e escrita, foi a de observar - primeiramente - qual relação de amizade, de afeto existente entre os colegas da sala. Por meio desse olhar, percebemos colegas solidários, afetivos, companheiros que se comunicavam pela via do afeto, referindo-se uns aos outros pelos seus nomes com carinho. A relação do professor com seus alunos também se estabeleceu pelo afeto, pela cumplicidade e, nesse sentido, ocorreu-nos uma mediação afetiva ativa em que o afeto fosse ativado e manifestado em nossas relações, ativando todo um processo cognitivo. Para que sons e letras apresentassem significado, organizamos um texto narrativo que falou de todos os nomes dos colegas da sala e, partindo da sílaba inicial de cada nome, reorganizamos novas palavras (adjetivos afetivos) que colaboraram para a construção de novas frases e assim por diante, até a finalização do texto. Por exemplo: "Essa é a nossa amiga Fabiana. Com o  Fa de Fabiana, podemos escrever fabulosa. Fabiana é uma amiga fabulosa." Essa atitude causou um efeito de carinho, de afeto em cada colega, e a escrita de cada nome foi acolhida em profundidade. Houve uma significação, o reconhecimento de cada nome, de cada sílaba, o encontro entre significado e significante, o encontro do sujeito.
        Esse trabalho foi gerado no seio do próprio grupo. A partir de uma escuta às atividades sistematizadas de escrita, o professor pôde capturar o momento, compreender o movimento do som e do afeto de seus alunos,  ao observar o movimento da escrita de seus alunos na fala: "Ah! esse é o Fa de Fabiana", quando estavam processando a escrita da palavra "fada", por exemplo, foi muito enriquecedor. Acreditamos que a necessidade de ensinar gera o desejo de aprender, nasce o aprender semiótico do professor, um movimento de investigação, baseado nas conjecturas.
       Outra atividade lúdica que também despertou o interesse de todos foi o de cada um montar seu nome (que estava previamente silabado) num painel, depois fazer o reconhecimento dos grupos silábicos de todos os nomes; a essa etapa, seguiu outra em que o aluno podia escrever no painel outras palavras e/ou frases, por meio das partes dos nomes dos colegas. Essa proposta foi muito interessante e significativa para o grupo que percebeu que escrever é um grande jogo. Esses são movimentos que nos encaminham a um fazer significativo, o qual coloca o sujeito no lugar do fazer para ser sujeito de sua aprendizagem. Nosso objetivo não é olhar para o método de alfabetização, entretanto, a um momento anterior - invisível aos olhos - que se situa no plano das relações para a aprendizagem, no plano do vínculo, da mediação, da interação tão e mais fundamental para que algum método possa ter sucesso.
        Esse trabalho nos faz olhar para o potencial de cada aluno enquanto sujeito de um saber, bem como o respeito ao conhecimento prévio que esse aluno traz. Estamos olhando para os signos que nos propõem uma interpretação, visto que abrem espaço para um canal comunicativo semiótico, conceito a que chegamos, pois os signos na relação locutor/receptor comunicam algo e causam um efeito em seu interlocutor, num movimento ad infinnitum, o que gera a interpretação e um interpretante. Olhar para esse processo, permite-nos observar o que vem subliminarmente embutido no signo expresso, o que há em circulação na relação entre o professor/aluno, ou seja, entre os sujeitos da comunicação está a mediação, uma mediação afetiva ativa que gera uma cumplicidade e a possibilidade de entrar no terreno simbólico desse sujeito. Esse movimento propicia trazer à tona um saber que requer ser mostrado e amparado. Falamos em mediação afetiva ativa, porque está no plano do fazer, de capacitar o fazer e o de compartilhar uma aprendizagem.
       De acordo com WINNICOTT8 é no brincar que criança ou adulto pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral, movimento que libera fenômenos inconscientes  ao consciente para que o sujeito possa se constituir enquanto tal e deixar fluir um mundo latente. Assim, a escrita poderá começar a fluir, contudo respeitando o movimento do som, para chegar a uma articulação em que se permita a correspondência grafo-fonêmica dentro de um contexto lúdico.
        Trilhamos por um pensar onde entramos de fato no labirinto de nossos pensamentos, à compreensão de nossas atitudes, de nossas representações, enquanto psicopedagogos, professores, enfim como seres de relações com os aprendentes. A linguagem semiótica, enquanto possibilitadora de uma investigação apurada, e o olhar psicopedagógico, como um olhar às possibilidades do sujeito - articulados - colaboram na compreensão de todo um movimento de interação entre o professor e o sujeito da aprendizagem, apontam-nos uma "escuta" que nos faz saltar no movimento que o aluno realiza em seu processo de aprendizagem. Estamos num espaço de confiança, como aponta FERNÁNDEZ9, confiança em nós e na criança. Holding. Esse movimento resgata a criatividade no processo, a qual pode nascer de um brincar, em que juntos ensinante e aprendente possam brincar rompendo com rituais estereotipados de uma aprendizagem. Tal aspecto promove uma ruptura com representações repetitivas e possibilita a voz do sujeito, ele quem nos dá o comando de seu percurso, a fim de que possamos mediá-lo.    

 O MOVIMENTO E A SINTONIA DE UMA ESCRITA: UMA MEDIAÇÃO AFETIVA ATIVA.

        Para a compreensão do processo de alfabetização com nossos alunos, faz-se preciso entrar em sintonia com seu universo, compreender os signos para se estabelecer uma mediação que provoque e dê vazão ao conhecimento desse sujeito, dentro de um contexto lúdico que propõe um jogo de sons e afeto.
        A escrita se mostra a partir de um movimento sonoro-afetivo e, para escrever as palavras, necessitam ouvir pausadamente a musicalidade de cada letra, de cada sílaba, de cada palavra o que tem propiciado novas descobertas e uma escrita mais segura. O eixo de nosso trabalho tem sido a exploração sonora, a partir de uma mediação afetiva ativa, apresentando-se como importante organizador para a escrita.
        O movimento do corpo (a expressão) e a música (o som) têm alimentado o jogo que é o processo de alfabetização. A importância de "escutar" todo esse processo, levou-nos a  garantir o desejo "inibido" de nossos alunos pela escrita, os quais apresentaram uma escrita fônica. Ao partir dessa rota e sentir sua capacidade, passaram a construir uma escrita organizada, uma escrita que envolveu afeto, laços de carinho e respeito.  Estivemos caminhando por um percurso fonético: o som e seu sentido, em que a grafia só faz sentido no sentido "profundo" do som. Autorizou-se, assim, uma escrita, nasceu uma possibilidade de ser.
        Dessa forma, apresentar algumas cenas desse processo de aprendizagem se faz importante para que o professor, o ensinante possa se despir do saber e navegar no movimento de seus alunos ensinantes/aprendentes. Cada aluno com que trabalhamos é um universo de possibilidades, o que nos faz observar a capacidade de cada um. Por exemplo, um de nossos alunos apresenta dificuldade para reter o que aprende, em virtude de uma disfunção cerebral, em termos de abstrações, como lembrar a letra que corresponde ao seu som especificamente; apresenta dificuldade de registrar a correspondência letra/som, pois existe uma baixa retenção de memória, causando-lhe um prejuízo cognitivo.
        Entrar pela via  do afeto e amparar suas angústias tem proporcionado a esse aluno uma nova maneira de entrar em sintonia com a escrita, percebeu que escrever é um jogo e, pelo jogo, tem ampliado suas possibilidades de reter o que aprende. Por outro lado, é um sujeito que apresenta um pensamento alfabetizado, ou melhor, é capaz de ouvir um texto, compreendê-lo, interpretá-lo, relacioná-lo a experiências pessoais e sociais. Traz apontamentos e sínteses muito elaboradas sobre os textos lidos, colocando-se em sintonia com uma realidade sócio-cultural. Destaca-se na sua expressão verbal e tem capacidade para realizar leituras de imagens, de textos elaborados apenas com figuras. Esse é o movimento de um leitor, de um pensamento alfabetizado que é considerado e ampliado em nosso dia a dia. Partimos de um movimento que tem inspirado o aluno a mostrar seu saber, a compartilhá-lo com os demais por meio de uma mediação afetiva ativa, cuja base é possibilitar o saber desse sujeito, um saber contextualizado.
        Outra cena que nos surpreende é a do movimento musical, a exploração sonora para a aprendizagem da escrita.  Nesse aluno, o som, sua percepção profunda, passa pelo seu corpo, onde ocorre um jogo de sons e movimentos: o movimento do corpo, dos jogos dramáticos que o auxiliam a aprender, a pôr em jogo todo seu desejo por atividades como música e dramaticidade. A comunhão desses aspectos levam-no a se envolver com as atividades, permitindo-lhe uma ampliação cognitiva, o que o capacita a uma aprendizagem significativa, a uma escrita que pode ser produzida pela via do afeto e da funcionalidade. Observar esses movimentos ajudam-nos a compreender o quão complexa é a relação de aprendizagem dos sujeitos e que a aprendizagem só pode ocorrer quando o mediador considera o saber de seu aluno, o que o inspira a um fazer significativo.
        Escrever, de fato, é uma das maiores conquistas da humanidade, é com o alfabeto por meio do arranjo de poucas letras que criamos todo um universo, permitindo-nos dar forma precisa ao mais recôndito de nossos pensamentos. Escrever é parar para elaborar e registrar um átimo de nossos pensamentos. Pensar pode ser perigoso e escrever, mostrar o que se pensa pode ser muito mais. O movimento de inibir uma escrita, por exemplo, tem-nos desafiado, um dos caminhos que encontramos para que nossos alunos superassem o bloqueio foi o da mediação afetiva ativa, uma possibilidade desse aluno realizar uma escrita.
        No caso apontado, o aluno apresenta uma inibição cognitiva que o trava, o aprisiona no seu saber; apesar de estar quase alfabetizado, o problema não é o reconhecimento apenas das sílabas, a sincronia entre som e grafia, há algo que o impede e o impossibilita de criar, de escrever, de ser sujeito de um fazer. Acreditar no conhecimento desse aluno, deu-lhe oportunidade de fazer coisas, como auxiliar o professor em sala de aula, atitude que lhe proporcionou uma credibilidade em seu fazer. Fazer que gerou um espaço de confiança, uma cumplicidade entre professor-aluno, possibilitador da conquista de novos desafios, dentre eles, o desejo de uma escrita.
        Olhar para o potencial desse aluno, crer na sua capacidade, inspiraram-no a romper o bloqueio entre a folha em branco e o registro de um pensamento. Assim, começamos o movimento da escrita sempre enfatizando suas conquistas. Num primeiro momento, o movimento para escrever precisou ser amparado pelo professor que percebeu um percurso sonoro para a escrita e, pelo movimento do som, por meio de uma ênfase sonora a cada letra, a cada sílaba, a palavra foi surgindo na folha, ganhando vida e colorido. Desse movimento nasceu um estímulo, uma inspiração para que o potencial do aluno se expandisse e as palavras se soltassem de suas amarras.
        Estamos no sentido "profundo" do som, movimento que gerou o nascimento da escrita, juntamente com outros fazeres, como mostrar seus desejos, de se posicionar escolhendo o que queria ou não  fazer, muitas vezes, até se antecipando para a realização de alguma atividade. A letra tímida que surgia quase que como um fantasma, hoje tem força, é gerada sem timidez alguma, o tamanho de sua grafia foi aumentado, tal qual sua segurança; buscamos ampliar o campo de ação desse aluno. Estamos num movimento lúdico em que o brincar entra em cena, cujo objetivo visa a expansão de um pensamento criativo.
        Esse olhar nos capacita a uma transformação de se pensar o sujeito e impulsionar a interação entre os homens, seja ele quem for. Nesse sentido, precisamos aprender a lidar com a diversidade, valorizarmos os diferentes saberes, cultivarmos ambientes em que os sujeitos sejam encorajados a ter um pensamento criativo, por meio de estratégias que promovam atividades ativas e a habilidade de um pensamento crítico, ao invés de uma aprendizagem mecânica. Para tanto, se faz necessário um olhar aos diferentes estilos de aprendizagem que os sujeitos apresentam, um olhar às possibilidades de sua forma de expressão. Estamos no terreno da pluralidade, da criatividade em que o conhecimento vai se construindo por meio de um fazer/ser, um movimento dialético.       
        As cenas apresentadas têm aguçado nosso olhar. A percepção é a linguagem da vida, caminhar por ela é o que nos capacita a ler o mundo das relações entre sujeitos de uma história, de uma vida, pessoas capazes de iluminar o caminho de todos nós ensinantes/aprendentes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

        Nessa nova era em que adentramos, faz-se imperioso rever o nosso paradigma social e educacional. Precisamos rever a noção de ser humano, resgatarmos em nossas falas e atitudes os valores da ética, da moral, da cidadania, enfim, os valores que compõem uma democracia de fato. Cabe-nos um olhar ao homem em sua unidade, ver o todo e o processo que o compõe, que o institui enquanto sujeito.
        Em meio da angústia de todo um processo educativo, nasce  a Psicopedagogia, interdisciplinar, abrangente, dinâmica, preocupada, sim, com os problemas de aprendizagem que, na sua essência, investiga o "eu", o "quem" aprende dentro de um contexto sócio-cultural, em que as relações são sígnicas. Somente enxergando verdadeiramente o aprendente, estaremos caminhando para uma reeducação feliz e sadia, a fim de encontrarmos o sujeito no seu mais profundo processo de auto-construção: ser humano.
        As mentes brilham movidas por paixões, viajantes de um caminho muito mais profundo do que as teorias revelam. Extrapolam o tempo, o espaço e encontramos em cada sujeito sua universalidade, o que nos compromete a cada dia. É o resgate do ser humano, do valor humano que está em pauta, o humano, um ser de relações que não pode se perder em sua linguagem total. A Psicopedagogia traz uma nova investigação sobre "quem" aprende, como aprende, articulando várias informações, teorias que auxiliam a esclarecer o universo humano, o que há nele de mais recôndito. Olhar para a capacidade, para as possibilidades do sujeito, para sua expressão propicia a conquista de um processo de aprendizagem que vem assinalado pela mudança de comportamento, pela felicidade e pelo desejo de se mostrar a partir de uma escrita, de um fazer. Estamos no espaço potencial, num movimento lúdico, em que a escrita pode ser ressignificada,  ser o caminho para a expansão de um pensamento criativo.
        Nosso propósito é o de mostrar um movimento de aprendizagem baseado na percepção dos signos e apresentar um ensinante/aprendente que possa realizar uma mediação afetiva ativa, atitude que proporciona aos alunos a realização de seu potencial mais elevado, em que a linguagem do afeto entra em cena e possibilita um fazer. Estamos propondo outro olhar ao sujeito da aprendizagem seja ele quem for,  já que somos todos seres humanos, iguais, mas, como todos, com nossas diferenças.
         Apresentamos, dessa forma, um recorte de nosso trabalho que nos inspira e nos leva a um exercício metapsicopedagógico. Essas são reflexões que têm partido de uma investigação, de uma prática psicopedagógica em que o brincar, o vínculo, a interação, a mediação apontam para o caminho saudável da aprendizagem. Como BLEGER10 aponta
              
               A investigação modifica o investigador e o objeto de estudo, o que, por sua vez, é investigado na nova condição modificada. Com isso,  dá-se uma práxis  na  qual  o investigar é, ao mesmo tempo, operar e o agir se torna uma  experiência enriquecedora e enriquecida com a reflexão e a compreensão.

        Estamos fazendo psicopedagogia dentro de uma abordagem semiótica de investigação, modelo baseado nas conjecturas, na interpretação das pistas, onde os signos falam: um cheiro, um olhar, uma intuição... um sentido.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1. MANTOAN, Maria Teresa Égler. Ser ou Estar: eis a questão - Explicando o déficit intelectual. 2ª ed. Rio de Janeiro, 2000. p. 17  18; p. 56; p. 68.

2. PEIRCE, Charles S. Semiótica. 3ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2000.

3. SANTAELLA, Lúcia. A Percepção: uma teoria semiótica. 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1998. p. 10 –11.

4. BAKHTIN, M. Questões de Literatura e Estética. 4ª ed. São Paulo: UNESP, 1998. p.290.

5. ECO, Umberto. Os Limites Da Interpretação. São Paulo: Perspectiva, 2000.

6. TORRANO, Jaa. Teogonia: A origem dos deuses - Hesíodo. São Paulo: Massao Ohno/Roswitha Kempf, 1981.

7. FINK, Bruce. O Sujeito Lacaniano - Entre a Linguagem e o Gozo - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.


8. WINNICOTT, D. W. O Brincar e Realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

9. FERNÁNDEZ, Alícia. A Inteligência Aprisionada. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.

10. BLEGER, José. Psico-higiene e Psicologia Institucional. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977. p. 47.