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Tal qual uma matrioshka (boneca russa), vamos desvendando nossas porções. A cada novo tempo, uma nova aprendizagem. Agora é o momento de nos vermos como seres holísticos que têm: corpo, organismo, cognição (intelecto), inconsciente (desejo) e mente (consciência, espírito).

ANGELINI, Rossana Maia (2011)

“A falsa ciência cria os ateus, a verdadeira, faz o homem prostrar-se diante da divindade.”

VOLTAIRE (1694 -1778)

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Texto para Reflexão: A IMPORTÂNCIA DOS JOGOS NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

A importância dos jogos no processo de ensino-aprendizagem


ROSSANA APARECIDA VIEIRA MAIA ANGELINI



            Para que possamos compreender a importância dos jogos no processo de ensino-aprendizagem, precisamos nos dar conta da relevância das pesquisas realizadas no século XX, por teóricos, como Piaget, Vygotsky, Wallon, Emília Ferreiro, Ana Teberosky, Luria, autores que vieram redimensionar a forma como se desenvolve a aprendizagem humana.Assim, partimos de um novo paradigma de aprendizagem, de aluno, de professor, de mundo. Dentro de uma perspectiva construtivista, sócio-interacionista, sabemos que o homem não é passivo nos seus processos de aprendizagem, ele não aprende significativamente por meio da transmissão e da repetição, contudo aprende na interação e na ação sobre o objeto a ser conhecido. Piaget chamou a esse movimento de aprendizagem de construção. Aprendemos, então, por meio da pesquisa, da manipulação e das hipóteses que desenvolvemos sobre o objeto a ser aprendido. Vygotsky, em seus pressupostos teóricos, nos aponta a importância do outro na aprendizagem, a interação que se estabelece com o objeto do conhecimento e, sobretudo, a importância da mediação no processo de aprendizagem.
            
          Sabemos, hoje, que a aprendizagem não é apenas um processo cognitivo, intelectual. Ainda no século XX, depois dos estudos de Freud, Lacan (psicanalistas) e da psicopedagogia, compreendemos que a aprendizagem passa pelo corpo, pelo organismo, pela cognição, pelo afeto, pelo desejo, pelo inconsciente. O sujeito da aprendizagem é um grande complexo de relações. Wallon, por exemplo, irá nos falar da importância do afeto e do corpo nos processos de aprendizagem, e a psicopedagogia, baseada na psicanálise, nos trará a importância do desejo em nossas relações, fundamentalmente nas relações de aprendizagem.

            Falar sobre aprendizagem no século XXI requer um vasto conhecimento acerca do desenvolvimento humano e da sociedade em que estamos inseridos. Já não é mais possível deixar de lado as contribuições teóricas, visto que elas nasceram das observações minuciosas de grandes cientistas. Cabe-nos, portanto, enquanto professores nesse novo século, entendermos, de fato, essas pesquisas e buscarmos formas, metodologias que facilitem, que agucem o desejo do sujeito em aprender de forma crítica, significativa, reflexiva.

            POZO (2008), professor do Instituto de Psicologia da Universidade Autônoma de Madri, colocará em discussão a nova cultura da aprendizagem, apresentando algumas idéias e contribuições da moderna psicologia da aprendizagem. O autor defende a concepção construtivista como a forma mais complexa de entender a aprendizagem.

As características dessa nova cultura de aprendizagem fazem com que as formas tradicionais da aprendizagem repetitiva sejam ainda mais limitadas que nunca. Em nossa cultura, a aprendizagem deveria estar direcionada não tanto para reproduzir ou repetir saberes que sabemos parcialmente, sem mesmo pô-los em dúvida, como para interpretar sua parcialidade, para compreender e dar sentido a esse conhecimento, duvidando dele. A cultura da aprendizagem direcionada para reproduzir saberes previamente estabelecidos deve dar passagem a uma cultura da compreensão, da análise crítica, da reflexão sobre o que fazemos e acreditamos e não só do consumo, mediado e acelerado pela tecnologia, de crenças e modos de fazer fabricados fora de nós. Requer-se um esforço para dar sentido ou integrar alguns desses saberes parciais que inevitavelmente nos formam, de modo que, ao repensá-los, possamos reconstruí-los, dar-lhes uma nova forma ou estrutura. (POZO, 2008, p. 40)

            O autor põe em discussão, portanto, uma nova forma de pensar a aprendizagem, partindo do construtivismo como perspectiva filosófica e psicológica sobre o conhecimento e suas formas de aquisição. Faz-se preciso repensar os processos de aprendizagem, dentro de uma perspectiva atual de aprendizagem e nos libertarmos de teorias tradicionais que nos aprisionam enquanto professores e alunos, impedindo-nos de ter autoria e criatividade na construção do conhecimento.

O sujeito da aprendizagem precisa resgatar o prazer por aprender e o professor recuperar o desejo de ver seu aluno construir sua aprendizagem por meio das mediações que estabelece. Nesse sentido, quando observamos a criança interagir com o objeto do conhecimento, não podemos descartar a atitude lúdica com que ela investe para a compreensão do objeto. Por isso, o jogo é uma ferramenta importante na construção do conhecimento, possibilita diferentes aprendizagens e amplia a capacidade de aprender, de forma prazerosa.

Já que aprender implica em construção, não podemos descartar a investigação da criança sobre o objeto a ser conhecido. Ao olharmos para esse movimento da criança, podemos desenvolver um olhar mais alargado sobre sua aprendizagem. Observamos que para a criança aprender, ela precisa pôr em jogo seu conhecimento, por meio da brincadeira. Aprender, portanto, pode ser um movimento lúdico, prazeroso e educativo. Ao partirmos dessa premissa, o jogo cabe na escola, principalmente hoje, quando as crianças entram tão cedo nas instituições escolares.

A escola configura-se não só num espaço de conhecimento, contudo, transforma-se num espaço social, de convívio, de relações. Logo, o jogo tornar-se imprescindível, uma ferramenta fundamental para atender tal demanda: aprender de forma lúdica e prazerosa.

Como educadores, não podemos tirar o direito da criança brincar. O jogar, o brincar fazem parte de seu dia-a-dia e devem ser prioridade nos espaços escolares, sobretudo na sala de aula. Consideramos o jogo como um recurso bastante rico que pode ser utilizado de forma a contribuir com a construção do conhecimento.

Na escola “não dá tempo para brincar”, justificam os educadores. Por quê? Há evidentemente um programa de ensino a ser cumprido e objetivos a serem atingidos, para cada faixa etária. Com isso, o jogo fica relegado ao pátio ou destinado a “preencher” intervalos de tempo entre as aulas. Entretanto, o jogo pode e deve fazer parte das atividades curriculares, sobretudo nos níveis pré-escolar e de 1º grau, e ter um tempo preestabelecido durante o planejamento, na sala de aula. (FRIEDMANN, 2005, p.15)

Para que o professor possa levar, então, o jogo para a sala de aula e mediá-lo adequadamente, precisa se rever e reaprender a brincar; pois, sua participação é essencial, bem como o respeito ao desempenho de cada aluno. Esse processo envolve socialização, compreensão, trocas e, acima de tudo, respeito e ética nas relações acionadas pelo brincar.

À medida que damos atenção a esse recurso pedagógico, entendemos o quão valioso é, não só à aprendizagem da criança, mas também ao desenvolvimento das relações interpessoais tão importantes, na sala de aula; pois estimula a aproximação entre os alunos e entre os alunos e o professor.

O jogo, visto dessa maneira, gera um espaço de confiança, de cumplicidade que pode levar a todos a uma relação de confiabilidade, gera um campo de aprendizagem prazerosa, instigante e significativa. Os jogos educativos, dessa forma, promovem e potencializam diferentes situações de ensino-aprendizagem e o desenvolvimento global da criança.

Quando as situações lúdicas são intencionalmente criadas pelo adulto com vistas a estimular certos tipos de aprendizagem, surge a dimensão educativa. Desde que mantidas as condições para a expressão do jogo, ou seja, a ação intencional da criança para brincar, o educador está potencializando as situações de aprendizagem. Utilizar o jogo na educação infantil significa transportar para o campo do ensino-aprendizagem condições para maximizar a construção do conhecimento, introduzindo as propriedades do lúdico, do prazer, da capacidade de iniciação e ação ativa e motivadora. (KISHIMOTO, 1996, p. 36; 37)

Os jogos para o desenvolvimento da leitura e da escrita podem ser utilizados como uma excelente ferramenta na sala de aula. Desde que as pesquisas de Ferreiro, Teberosky e Luria sobre a escrita da criança foram disseminadas, não mais podemos aceitar que a construção dos processos de leitura e escrita se dá por meio da passividade, da transmissão, da repetição. Aprender a ler e a escrever não é mera decodificação do código, está muito além desse processo; pois envolve simbolismo, imaginação e, acima de tudo, subjetividade e significação sobre a utilização do código linguístico. Compreendemos, assim, a alfabetização enquanto construção de processos de leitura e de escrita. Nesse sentido, é essencial entendermos quais as hipóteses que a criança desenvolve acerca da leitura e da escrita, como constrói esse percurso.

Não cabe mais repetir uma alfabetização que se utiliza de uma metodologia mecanicista, que despreza o saber do sujeito e sua subjetividade na relação com o código. Os escribas ensinavam suas crianças, baseados numa aprendizagem por meio da transmissão, da decoreba, da decodificação. Pois o escriba era um copista, aquele que exercia a profissão de copiar manuscritos, portanto, um escritor que não tinha muito merecimento. Foi assim que teve início essa modalidade de se ensinar a ler e a escrever, por meio de uma aprendizagem memorística ou repetitiva, cuja função é meramente reprodutiva. Todo esse sistema nasce em 3.000 a.C., com o aparecimento das primeiras culturas urbanas, os sumérios.

O surgimento das primeiras culturas urbanas, após os assentamentos neolíticos no delta do Tigre e do Eufrates (próximo ao atual Iraque), gera novas formas de organização social que requerem um registro detalhado. Nasce, assim, o primeiro sistema de escrita conhecido, que serve inicialmente para expressar em tabuinhas de cera contas e transações agrícolas, a forma de vida daquela sociedade, mas que se estende depois a muitos outros usos sociais. Com a escrita nasce também a necessidade de formar escribas. Criam-se as ”casas das tabuinhas”, as primeiras escolas de que há registro, quer dizer, as primeiras escolas da história.  (POZO, 2008, p. 27)

            O homem levou milhares de anos para construir a escrita, um processo longo que demandava sua necessidade de deixar marcada sua história. Esse percurso passou por várias fases até chegarmos à síntese do alfabeto, tal qual conhecemos hoje. Esse processo foi construído paulatinamente, de forma criativa. A palavra chave, portanto, no desenvolvimento da escrita é criatividade que deriva de uma necessidade humana: registrar. Desde, então, o homem se preocupa em como ensinar, alfabetizar, desconsiderando a curiosidade da criança, as hipóteses que têm. Atualmente, temos grande dificuldade de construir essa mediação, apesar de tantos estudos e pesquisas sobre a construção desses processos. Devemos, como professores, pôr em jogo esses novos conhecimentos e mudarmos nossa práxis educativa, em prol de uma aprendizagem real e significativa à criança. Precisamos aprender a pôr em jogo nosso conhecimento, nossa autoria, nossa criatividade, nas nossas relações de ensino-aprendizagem.

            A criança é lúdica, seu mundo é o brincar, o que lhe possibilita a construção de sua aprendizagem. Assim, precisamos criar novos recursos, novas mediações, para que a construção do conhecimento, seja ele qual for, possa ser construído de forma eficaz, a favor do sujeito. Cremos ser fundamental rever a aprendizagem nesse novo século, em que imperam novas linguagens e avançarmos nas ferramentas pedagógicas, dentre elas o jogo, tão essencial à aprendizagem e ao desenvolvimento da criança.

Referências Bibliográficas
FRIEDMANN, Adriana. Brincar: crescer e aprender – O resgate do jogo infantil. São Paulo: Ed. Moderna, p. 15, 2005.
KISHIMOTO, Tizuko Morchida (organizadora). Jogo, Brinquedo, Brincadeira e a Educação. São Paulo: Cortez Editora, p. 36; 37, 1996.
POZO, Juan Ignacio. Aprendizes e Mestres – A nova cultura da aprendizagem. Porto Alegre: ARTMED, p. 27; 40, 2008.

3 comentários:

  1. Adorei o blog, muita sensibilidade e conhecimento. Maravilha de reflexão sobre a construção de conhecimentos utilizando o jogo, o brincar. Nós educadores temos sim que aprender a utilizar essa ferramenta conhecendo e desenvolvendo possibilidades de aprendizagem não só das disciplinas mas também social, emocional. O jogo na sala de aula possibilita que o professor conheça melhor seus alunos, perceba como cada um pensa, sente, age com os colegas e com o conhecimento, e ao mesmo tempo pode fazer com que os alunos se autoconheçam.
    Edna

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  2. Como são especiais as pessoas que conscientes de sua trajetória humana compartilham seus conhecimentos e possibilitam a continuidade da aprendizagem em tantas outras!

    O texto me fez lembrar alguns aspectos do desenvolvimento da inteligência. Seres humanos são seres inteligentes e desenvolvem sua inteligência desde que nascem. A aprendizagem é o caminho, a grande estrada que possibilita seu desenvolvimento. O sujeito da aprendizagem relaciona-se com o mundo, com os objetos e tudo ao seu redor. Garante sua sobrevivência, e nessa interação com os elementos do meio desenvolve seus processos mentais. E o jogo, o brincar garante esse desenvolvimento. Tão relevante no ambiente escolar, não pode ficar de fora nem da sala de aula, nem dos outros espaços. A conscientização e a busca dos profissionais da educação em compreender especialmente a hora do jogo e instrumentalizar-se oportunizará as crianças demonstrarem a aprendizagem já adquirida e serem autores de tantas outras. Esse é o que temos de trabalho. Muito grata Rossana pela oportunidade!
    Mara

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  3. O blog é enriquecedor, contribui para o processo de aprendizagem, no qual estamos, constantemente. Num processo vicioso em que aprendemos e, desaprendemos para podermos aprender o novo...Os artigos são interessantes!!!

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